Num dos mais belos contos de Tennessee Williams, «The Resemblance Between a Violin Case And a Coffin», aquele escritor norte-americano compara um estojo de violino com um pequeno caixão de criança ou de boneca. Referia-se ele, simbolicamente, à efemeridade da beleza, no caso a de um rapaz de 17 anos, Richard, que em menino o narrador via ensaiar escalas com a sua irmã mais velha, vindo mais tarde a saber da sua morte.
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Com o seu refinado humor negro, Carlos Zíngaro glosa o tema da morte sempre que alude ao seu contrário, a vida. Esse é apenas um de vários paradoxos a que se tem dedicado toda a sua carreira, os quais, muito curiosamente, nunca chega a resolver, mantendo-os íntegros ou mesmo renovando-os… Não esqueçamos as palavras de Isaac Newton: «Não fui mais do que uma criança brincando pela orla da praia, deslumbrado com a descoberta eventual de alguma concha fora do vulgar ou de um bonito seixo bem polido, enquanto o grande oceano da verdade permanecia por descobrir à minha frente.»
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A música é um objecto vago, diluído no espaço e no tempo e por isso de consumo imediato, rapidamente esgotável. É uma situação de momento, existe em «acto», mesmo que tenha sido minuciosamente composta ao longo dos anos. Ao contrário das artes plásticas, é confrontada na acção com o público. Para todos os efeitos, o seu único suporte é… o ar. Se não for gravada, desaparece. A tela pintada, a escultura, são o registo do momento da criação; a obra de arte é a representação de um acto, é o seu final, mas a finalidade da música não é ser gravada.
A gravação é, assim, apenas uma cópia, um documento. Nunca disco algum poderá reproduzir as circunstâncias do acto musical. Algo de muito relevante, no entanto, realiza: a exorcização da morte. Os discos sobrevivem à passagem de músicas e músicos por este mundo. Contradizem a imediatez do som, retiram-no do tempo, congelam-no. Ainda que a música nos fale, inevitavelmente, da morte, a música ouvida em disco sobrevive-lhe, contranatura. É uma forma de vida virtual, «in vitro», e é isso que nos diz «Release From Tension» de Carlos Zíngaro, a primeira obra gótica da música improvisada depois de «Death Ambient» de Ikue Mori, Kato Hideki e Fred Frith.
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