A pedido do pai, “Ryuichi Sakamoto | OPUS” foi filmado por Neo Sora, filho do músico, ator e compositor japonês, como uma despedida. Momento onde a doença terminal, já muito avançada, está sempre presente, sem nunca retirar o encanto à música que ouvimos e que permanece.

Ryuichi Sakamoto

A única certeza que temos das nossas vidas é que são finitas. O que fazemos em vida cria memórias em quem nos rodeia e essas mesmas memórias são a história de quem nós somos e como perduramos na memória dos outros. A perda de memória é uma perda de identidade, individual ou colectiva. A busca pelo silêncio simples numa era de ruído múltiplo é estranha à maior parte de nós e coloca-nos questões que, na maior parte dos casos, poucos estarão aptos a responder.

Saberemos nós lidar com o silêncio?
E o que é isso do silêncio?
E qual a diferença entre silêncio e silêncio absoluto?

Sempre defendi que silêncio é a sensação de ausência sonora momentânea e que só existe um momento no qual estamos perante o silêncio absoluto, momento esse por sinal demasiado curto, uma vez que equivale ao último batimento do nosso coração: o nosso Opus final, por assim dizer.

Ryuichi Sakamoto sabia que o seu fim estava próximo e mesmo assim quis fazer música até que o corpo desistisse de si. Quis deixar o último testemunho vivo de um homem simples, porém, também ele um compositor absolutamente brilhante, singular e transversal a uma série de culturas e géneros musicais no nosso mundo ruidoso. Escolheu 20 peças do seu vastíssimo repertório (com mais de 50 anos) para as interpretar sozinho, ao piano, num elegantíssimo documento visual a preto e branco, assinado pelo seu filho Neo Sora.

Esperei por este momento com alguma ansiedade. Tinha a certeza que iria ser emocionalmente duro visualizar uma das minhas maiores referências musicais, a deixar uma última memória viva da sua grandiosidade, ainda que fosse de uma forma singela e muito honesta. Às primeiras imagens de “Opus” fica-se imediatamente a perceber que a presença e necessidade do silêncio vai ser a nota dominante do momento que se segue.

Foi-me difícil conter as lágrimas aos primeiros acordes de “Andata” e “Solitude” e eu assim temia que se fosse estender pelo resto do filme/concerto. Porém, com o decorrer das peças e de alguns momentos de pausas, ora por cansaço manifesto de um corpo debilitado por um segundo cancro (este em fase terminal) ou por pequenos erros que Sakamoto não quis que fossem editados/eliminados, mostrando com isso uma honestidade ímpar, ele elevou o registo para uma sensação de respeito máximo e atenção às restantes peças.

Claro que as lágrimas voltaram com “The Sheltering Sky”, “The Last Emperor” e o inevitável “Merry Christmas, Mr. Lawrence”, porque as músicas são também elas memórias, não só do que Sakamoto compôs mas também memórias de quando nós as encontrámos pela primeira vez, no exterior desse mundo ruidoso, para agora as revermos e escutarmos uma vez mais, perante o silêncio que se exige na sala e pelas mãos daquele que finalmente se prepara para viver o seu momento de silêncio absoluto.

A arte é longa, a vida é breve.
Domo arigato, Sakamoto San.

Texto CC BY 4.0 Deed // Alex Fernandes (Alex FX)
Imagem CC BY-SA 4.0 Deed // Sturm

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Carrinho

Translate »
X
Voltar ao Topo