Em “Ctu Telectu” a profilaxia rock começa por deixar ouvir a repetição, elemento estruturante, bem como os ciclos que já se anunciavam em “Avarias” e que se solidificarão em “Belzebu”. Este elemento, somado à exploração dos sons electrónicos, faz com que seja uma obra perfeita para marcar a passagem de Vítor Rua, “Piloto do Futuro”, do universo do rock para outros planetas musicais muito mais inexplorados.
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Passemos à música. O baixo e a bateria têm o papel principal. No início do disco o baixo e a guitarra estão no cimo da música. O primeiro com linhas repetitivas e dançáveis, a segunda definindo melhor as linhas melódicas. Nos temas finais serão os arpejos do sintetizador a construir os ciclos. A bateria é a única constante, mantendo o ritmo e a ligação ao universo do rock, ou melhor, do que hoje chamamos “art-rock” ou “indie-rock”. Toli César Machado toca como os melhores bateristas dos anos 1980, arrojo que desaparecerá no bater mais previsível da segunda encarnação dos GNR. Os sintetizadores estão num mundo à parte, autónomo, aparentemente desligados da estrutura sólida construída pela secção rítmica. Flutuam por ali, criando um sinusoidal electrónico que não respeita qualquer regra tonal. Ouve-se também a improvisação gestualista de Lima Barreto no piano, em sacões anárquicos à Cecil Taylor. Rua, para além das bases rítmicas, sola na guitarra com um som ácido lindíssimo (remetendo-nos para o Robert Fripp de “Indiscipline”).
A voz está no fundo, com um cantar-gritar vago, disperso, como se estivesse na casa de banho do estúdio de gravação. Ouvimos umas falas transformadas pela distância, o que foi um repensar audacioso da ideia de “vocalista”. Rua é um músico com uma intuição especial e este disco usa-a no seu melhor. Outra das suas qualidades é o querer fazer e, nesse sentido, muitas destas soluções radicam na estupenda combinação entre uma intuição afinada e a determinação em do nada fazer alguma coisa.
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Podemos contar pelos dedos de uma mão os discos que foram essenciais para o desenvolvimento da imaginação musical portuguesa. Este é um deles, tendo soado estranhíssimo no seu tempo e continuando a ser ousado passados quase 40 anos. A crer em Edgard Varèse, daqui a 10 anos o público irá conseguir compreendê-lo melhor. Sim, há um rock sem tempo, fora do tempo.
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