O Brasil parecia não estar preparado para a poesia dos temas, para a beleza singela das melodias, mas sobretudo para encarar (e perceber) aquelas figuras esguias e insinuosas que rebolavam nos palcos e nos retângulos da tv. O que fazer perante coisa tão inusitada? A resposta foi ir na onda (meio hippie, meio misógina, meio spooky) e deixar-se contaminar pela proposta artística de enorme qualidade que tinham pela frente. E assim, de entre todos os membros da banda, sobressaiu um homem com voz de castrati e corpo de lagarto. Com as caras pintadas, os Secos & Molhados coloriram o Brasil de outra maneira com os tons pretos e brancos das suas pinturas faciais, destacando-se, mesmo assim, dos tons igualmente pretos e brancos da repressão política e militar. O resto é história, e a história pode ser contada em breves linhas.
Os Secos e Molhados eram João Ricardo, um rapaz português de Arcozelo que muito cedo foi viver com os seus pais para o Brasil, Gerson Conrad, Ney Matogrosso e ainda Marcelo Frias, que embora tenha tocado bateria no disco e tenha a sua cabeça na capa do LP, não mostrou mais vontade de pertencer à banda. Para além dos nomes mencionados, o disco foi gravado com o empenho coletivo de outros músicos, dos quais se destacam Zé Rodrix e Willy Verdaguer. E se a parte melódica é um deleite para qualquer ouvido habituado a sons de qualidade, Secos & Molhados (o disco) também deve ser muito valorizado pelas letras das suas composições. Os textos mostram uma poética muito adulta, e como se não bastassem os preciosos versos de João Ricardo, há ainda poemas de João Apolinário (pai de João Ricardo, poeta e jornalista português), Solano Trindade, Cassiano Ricardo, Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes. Uma constelação de feras, como se pode facilmente perceber.