Há mais um disco da pianista Joana Gama de que se tem falado muito e bem! Desta vez é do 12″ em vinil, de edição limitada, para o qual ela convocou separadamente a harpista Angélica Salvi, o vocalista Adolfo Luxúria Canibal e o grupo de música eletrónica experimental Haarvöl.

Joana Gama em três tempos

Os “Três Tempos” de Joana Gama

Joana Gama mais Angélica Salvi mais Adolfo Luxúria Canibal mais Haarvöl apresentam “Três Tempos” de combinações perfeitas das artes musicais de cada um dos intervenientes, incluindo a de Erik Satie. Onírico, suspenso no tempo intemporal, pistas para a descoberta de novos universos musicais por estes músicos, sem nunca perder o pé.

Integrado nas cinco edições de vinil em 12” do projeto “Esfera”, uma iniciativa de Henrique Amaro, reconhecido divulgador de música portuguesa, e André Tentugal, músico e realizador de vídeos musicais, o 12” “Três Tempos” apresenta-nos toda a excelência do piano de Joana Gama, pela primeira vez em suporte vinil, em conjugação com as tonalidades bastantes divergentes que se podem apreciar pela harpa de Angélica Salvi, a voz de Adolfo Luxúria Canibal e pelas viagens sónicas experimentais dos Haarvöl. Joana Gama é uma pianista e investigadora portuguesa, com formação clássica, tendo já se envolvido nos mais diversos projetos de dança, teatro, cinema e fotografia, para além da música.

Com a harpa de Angélica Salvi

“Indigo” desvenda-nos algumas das ambiências musicais de Angélica Salvi, harpista espanhola residente no Porto, já com vasta carreira musical e inúmeras colaborações. Comecei a ouvi-la no seu misterioso e envolvente álbum “Phantone”, de 2019, produzido por Alexandre Soares. Depois, em 2020 pude apreciar novas formas de se tocar harpa numa apresentação ao vivo do grupo Nooito, de Angélica Salvi com Ece Canli, e de voltar a ouvir novas envolvências de harpa na colaboração de Angélica Salvi no “Mínima Luz”, o mais recente álbum dos Três Tristes Tigres. Antes de ouvir Angélica Salvi, e para além de tudo o que já tinha ouvido com harpa, na obra de Björk por exemplo, nunca me tinha apercebido de tantas potencialidades musicais da harpa como instrumento. A arte de Angélica Salvi demonstra-o fantasticamente bem.

Com a voz de Adolfo Luxúria Canibal

No que respeita a “Coisas de Teatro”, ouvi esta colaboração de Joana Gama ao piano com a voz de Adolfo Luxúria Canibal ao vivo em estreia num concerto no Centro Cultural de Vila Flor, em Guimarães, em 2018. Este tema baseia-se na “Piége en Forme de Valse” com texto de Erik Satie, a partir de uma ideia de Eduardo Brito. A versão no 12” “Três Tempos”, com a voz de Adolfo Luxúria Canibal, trata-se de uma variação sobre a composição de Joana Gama, Luís Fernandes e Ricardo Jacinto, inspirada na música de Satie e lançada anteriormente no álbum “Harmonies”, de 2016. A surpresa da parceria com Adolfo Luxúria Canibal soou-me uma combinação perfeita entre a interpretação de Erik Satie por Joana Gama com a característica e marcante voz dos Mão Morta. Ouço Adolfo Luxúria Canibal pouco mais ou menos desde as primeiras músicas dos Mão Morta em 1987/88 e Joana Gama pouco mais ou menos desde 2014, altura da edição do álbum “Quest” com o ilustre músico Luís Fernandes. Ora a ideia da combinação dos dois universos musicais, de Joana Gama com Adolfo Luxúria Canibal, soou-me a um desafio enorme. Depois de ouvir pela primeira vez, percebi que o mesmo desafio tinha sido perfeita e magistralmente superado pelo duo. O que começou por me atrair na arte de Joana Gama foram as suas interpretações de Erik Satie, e a utilização da voz de Adolfo Luxúria Canibal neste universo musical soa-me a uma perfeita dessacralização, que, de certo modo, forma um círculo perfeito nas minhas audições.

Com a eletrónica dos Haarvöl

O terceiro tempo neste 12”, “A Step Towards Imagining”, apresenta-nos o que podemos esperar quando o piano de Joana Gama se encontra com as estruturas musicais abstratas, exploratórias e hipnóticas criadas pelos Haarvöl. Os Haarvöl são um grupo português, que se expande pela exploração da música eletrónica e experimental, já com uma considerável discografia. O seu mais recente álbum, “The Wayfarer”, de 2021, é também a mais recente aposta editorial da audEo. Este 12” “Três Tempos”, com Joana Gama, apresenta também a mais-valia de ser o primeiro registo dos Haarvöl em suporte de vinil.

Um dos melhores registos de sempre

A ordem de audição no 12” está trocada, mas há uma errata para ajudar os ouvintes a situarem-se. Este incidente não prejudica a dimensão das obras musicais registadas. Pode até eventualmente ajudar a concentrar ainda mais a atenção nas interpretações, para além dos títulos. Até porque a tonalidade de cada tema o permite perfeitamente.

Há muita música portuguesa diversa a circular em 2022, felizmente, mas este disco é garantidamente um dos melhores registos de sempre para a música portuguesa.

Texto CC BY 4.0 // Fernando Nogueira
Imagem CC BY 4.0 // Estelle Valente

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