Hoje viajamos por um país musicalmente diverso, que aproveita o melhor da natureza, da solidão oceânica e de uma História singular para fazer música que encanta o resto do mundo. Bem-vindos sejam, à Islândia!

Gullfoss (Islândia)

Quando falamos de produção musical alternativa, divergente, experimental ou simplesmente deixada à margem, é comum deslocarmo-nos ao universo britânico e/ou americano. Por vezes, até nos deixamos levar por geografias francófonas ou germânicas. E, se quisermos ser mesmo “exóticos”, viajaremos até ao continente africano ou ao sol nascente do Japão. Tudo muito certo. Ainda assim, há um pequeno grande lugar a incluir nessa lista: a Islândia.

Sim, aquele país banhado pelo Atlântico Norte que ficou nos ouvidos do mundo quando fenómenos como Björk ou Sigur Rós (de quem falamos a seguir) acrescentaram a sua sensibilidade ao dicionário da música alternativa que se fazia no velho Ocidente. Mas o grande segredo desta ilha nórdica é que, apesar de contar apenas cerca de 360 mil habitantes, se trata de um lugar repleto de arte, de música e de uma forma muito própria de celebrar a natureza.

Halldór Laxness, romancista islandês galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, narrou como ninguém a severidade (mas também a candura) com que a passagem do tempo, as chuvas, a neve, o brotar das ervas, a agricultura e a pesca marcaram a vida e o imaginário de um dos lugares mais isolados do planeta. E tudo o que da Islândia ouvirmos poderá – em maior ou menor medida – ser inspirado nessa peculiar relação com o mar, a terra e o céu.

Sigam-nos, então, na primeira de duas viagens em torno desse maravilhoso universo musical!

Sigur Rós: os anjos da Mãe Natureza

Há certos grupos que associamos a uma estação do ano. Os Sigur Rós – senhores da pompa e da circunstância, do belo e do agressivo, do angelical e do catártico – são daqueles poucos que conseguem fazer música para todas as épocas. Da suavidade de um piano ao doce tilintar de um glockenspiel, passando por baixos distorcidos, por torrentes de bateria e pelo agridoce ruído de uma guitarra tocada com arco de violoncelo, o som destes islandeses parece imitar a Natureza.

Fazendo jus a essa diversidade, são daquelas bandas que se saboreiam com os vários sentidos. Ao estímulo auditivo, soma-se o aparato visual dos concertos e o mundo imaginário para o qual nos reportam as capas dos discos e os vídeos musicais. Não contentes com isso, os Sigur Rós até chegaram a distribuir, junto dos fãs, o incenso que usam no seu próprio estúdio, onde a magia acontece. Do mais infantil dos sonhos até à agonia da velhice, sabemos que estas pessoas (e o encantado falsete de Jónsi) estarão lá para nos acompanhar.

Mas ao longo de um percurso que nos mostrou uma forma orquestral de fazer o rock, que nos brindou com invernais melancolias ao piano (cantadas numa língua imaginária) e que nos trouxe sublimes momentos de pop, talvez a melhor porta de entrada para o encantado mundo dos Sigur Rós seja o disco que os mostra menos ambiciosos, embora mais próximos do coração. Assim chegamos a “Með suð í eyrum við spilum endalaust” (2008), um disco feito de tons mais acústicos, de canções concisas e daquela leveza de espírito que faz a primavera desabrochar no verão.

Oláfur Arnalds: um piano e os seus algoritmos

A Islândia é considerada, ano após ano, o país mais pacífico do mundo. Dada a sua posição peculiar no globo terrestre, será de admirar. Ainda assim, poderíamos avançar com uma inusitada tese e defender que parte da razão para essa paz de espírito está na música de compositores como Oláfur Arnalds. Mesmo que ainda pestanejem ao ler o nome, é bem provável que já tenham ouvido o lento caminhar do seu piano algures num filme, ou – quem sabe – até numa sessão de YouTube.

Algures entre as novas tendências da música clássica, das pequenas divagações na eletrónica e das brincadeiras com o minimalismo e com a música ambiente, o jovem teclista faz da subtileza a sua arma forte. Também já provou que não é um mero tradicionalista, razão por que tem procurado incorporar a tecnologia da automação e dos algoritmos na composição de temas como aqueles que ouvimos em “re:member” (bonito disco de 2018).

Muito poderíamos debater sobre o papel que a tecnologia deve exercer (ou não) na arte da música. Ainda assim, convém lembrar que Brian Eno ou Aphex Twin (igualmente dados à experimentação e à inovação) já haviam brincado com a possibilidade gerada pelos acasos que surgem automaticamente. E, além do mais, a música de Oláfur Arnalds permanece ideal como poucas para os momentos que exigem introspeção, abstração ou algo tão simples como a contemplação do belo.

Of Monsters And Men: o grito da juventude

Atendendo a tudo o que já dissemos sobre a nação islandesa, é com toda a naturalidade que ela figura sempre nos lugares cimeiros daqueles rankings sobre os lugares mais felizes do mundo. Sabemos, por outro lado, que se há época da vida que se associa à alegria sem freios é a efémera juventude. Somemos um mais um e cheguemos à “fórmula” que nos trouxe Of Monsters And Men – um projeto para ouvirmos sempre que acreditarmos nos sonhos que ficaram por realizar e nas esperanças que não se dissiparam.

Esqueçam, por um momento, os tormentos angelicais e as suaves contemplações ao piano. Álbuns como a estreia destes islandeses – “My Head Is An Animal” (editado internacionalmente em 2012) – mostravam uma forma soalheira de fazer pop cantada em inglês. Sim, há refrães fortes, melodias que se colam ao ouvido como paixões de verão e uma simplicidade que se exprime ora pela química entre duas vozes (a jovial Nanna Hilmarsdóttir e o bonacheirão Ragnar Þórhallsson), ora por aquela epicidade festivaleira que faz lembrar a primeira vida dos Arcade Fire.

Já sabemos aquilo que acontece, cronologicamente, à juventude. Ela desagua sempre em novas maturidades (por vezes mais negras e vestidas de rock musculado) ou em tentativas de renascimento (mais eletrónicas e sintetizadas). Assim foi com os Of Monsters And Men, embora a sua paixão pelos quatro elementos, pelos verdes bosques, pela inocência dos animais e pela convicção do nosso lugar neste planeta nunca os tenha deixado. Os bons filhos à Natureza sempre regressam.

Texto CC BY 4.0 // José Miguel Lopes
Imagem CC BY 4.0 // Luís Freixo

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