Eraldo Bernocchi, o guitarrista que fundou o grupo Sigillum S e colaborou com Harold Budd e Robin Guthrie assinou a banda sonora para o filme “Cy Dear”, sobre a vida e obra do artista plástico Cy Twombly. “Like A Fire That Consumes All Before It” é um disco a não perder de vista, mesmo que seja só com os ouvidos.
O compositor, guitarrista e produtor
Eraldo Bernocchi é um criativo compositor, guitarrista e produtor italiano, com uma sólida reputação nas mais variadas formas de escultura sonora. Começou a sua carreira no final dos anos 70, então como guitarrista de bandas indie e punk. Em 1985 forma em Milão o grupo de música conceptual, associada ao texto e à imagem, Sigillum S, num projeto com Paolo Bandera e Luca di Giorgio, que se tornou rapidamente em banda de culto de nível internacional.
Na década seguinte fundou com Petulia Mattioli, sua esposa, a editora independente Verba Corrige, que se foi a incubadora de uma série de destacados projetos de exploração sonora e de colaboração audiovisual.
Colaborou com numerosos artistas como Mick Harris (SIMM, Black Engine), Toshinori Kondo (Charged), Almamegretta, Spectre, Sensational, DJ Disk, Professor Shebab, Thomas Fehlmann, Zu (como Black Engine), DJ Olive, Markus Stockhausen, Giovanni Lindo Ferretti (como produtor e autor), Robin Guthrie (dos Cocteau Twins), entre muitos outros.
Também criou música e ilustrações sonoras para publicidade e diversos projetos multimédia. Eraldo Bernocchi compôs ainda música para filmes de Gabriele Salvatores (que recebeu em 1992 o Academy Award for Best International Feature Film, pela realização de Mediterraneo, que teve a banda-sonora assinada por Giancarlo Bigazzi e Marco Falagiani) e produziu numerosas instalações de arte com a sua esposa Petulia Mattioli e outros artistas, como Russell Mills e Harold Budd. Mas não só, pois Eraldo também se apresenta em Itália como músico e organizador habitual de apresentações para Tenzin Gyatso, o conhecido e venerado Dalai Lama.
O editor e músico imparável
Em 2009, Eraldo Bernocchi fundou a RareNoiseRecords, uma nova editora discográfica com sede em Londres que tem por objetivo a apresentação de uma ampla variedade de música de vanguarda. A editora tornou-se sem demora num importante veículo de expressão e defesa de novos artistas e das suas criações, servindo também para apresentar algumas das suas obras e colaborações. Entre elas incluem-se o duo de guitarra ambiental Parched (com Davide Tiso, dos Ephel Duath), os Somma (com Nils Petter Molvaer, Bill Laswell, Raiz e Lorenzo Esposito Fornasari), os Owls (de novo com Fornasari e Tony Wakeford), os Metallic Taste of Blood (com Colin Edwin, dos Porcupine Tree, Balazs Pandi e Jamie Saft) e os Obake (um quarteto doomtronic com Colin Edwin, Lorenzo Esposito Fornasari e Balazs Pandi).
Em 2011 lança o primeiro álbum homónimo dos Obake e, três anos depois, o segundo, “Mutations”, que foi recebido com críticas exponenciais. Com esse seu grupo apresentou-se em grandes festivais de música, assim como os OssO, a nova banda constituída em parceria com elementos dos MoRkObOt.
Nos 30 anos dos Sigillum S
Para assinalar os 30 anos dos Sigillum S, em 2016, Eraldo Bernocchi produziu as edições especiais de aniversário, que consistiam em três diferentes trabalhos lançados pela Verba Corrige: um em CD, outro em vinil e outro ainda em cassete, sendo os dois últimos em edição limitada.
Nesse ano regressa a Londres, onde grava “Rosebud”, um novo trabalho com F.M. Einheit (que foi um dos pilares da banda experimental e industrial alemã Einstürzende Neubauten) e o violoncelista Jo Quail. Conclui a gravação de um novo álbum, “Solitary Universe”, com o notável guitarrista ambiental japonês Chihei Hatakeyama. Mais ainda, grava o novo álbum “Supervoid” no power trio instrumental com Jacopo Pierazzuoli e Xavier Iriondo. Imparável, apresentou-se também no novo grupo Metallic Taste of Blood, com Colin Edwin e Ted Parsons. Como Blackwood gravou o álbum “As The World Rots Away”, lançado na nova Subsound Records. Fez a apresentação da dupla de power noise Mangiati Vivi. E também gravou o álbum “Invisible Strings”, num duo com Prakash Sontakke, um dos mais fascinantes guitarristas indianos de slide guitar.
Uma banda sonora a não perder de vista
Em 2018 chega a obra que é o motivo da nossa atenção: trata-se do primeiro trabalho em solo absoluto de Eraldo Bernocchi, a banda sonora de matiz atmosférica para o filme-documentário sobre a vida e obra do artista plástico norte-americano Cy Twombly (1928-2011). Idealizado e produzido por Michele Bongiorno, escrito e realizado por Andrea Bettinetti para a GoodDay Films, o filme “Cy Dear” teve uma ante-estreia privada no MoMA, Museum of Modern Art de Nova Iorque, na primavera de 2018 e no ano seguinte mostrou-se pela primeira vez em diversos festivais de cinema. As dezoito peças musicais ilustram de forma serena a vida e obra do pintor, escultor e fotógrafo que influenciou artistas de geração mais nova, como Jean-Michel Basquiat, Anselm Kiefer, Francesco Clemente e Julian Schnabel.
“This work bears my signature”, disse o compositor. “It’s a side of me that’s always been there. Note after note, take after take, I became part of this story. I brought my memories”.
O título da banda sonora é uma referência à pintura mais famosa de Cy Twombly, “Like A Fire That Consumes All Before It”, que também ilustra graficamente o objeto discográfico. É um título que combina não só com a obra do artista plástico, como com a do compositor, já que na música há uma errância propositada, que absorve tudo o que vai encontrando e o transforma em algo pleno e intenso, mas igualmente subtil, que impressiona e fascina. Feito essencialmente com o som de guitarras e eletrónica, no disco há uma permanente paisagem melodiosa que nos faz pensar no melhor de Brian Eno, ou até na influência que Harold Budd e Robin Guthrie poderão ter exercido nas suas anteriores parcerias.
Este é um fogo muito belo e, como dizia um crítico da All About Jazz, “Like A Fire approaches the musical equivalent of something melting in your mouth, only the orifice in this case are one’s ears. The ears being the gateway”.
Um disco a não perder de vista. Mesmo que seja só com os ouvidos.
Texto e imagem © Eraldo Bernocchi
Tradução e adaptação CC BY 4.0 // Luís Freixo