Foi no dia de hoje, há exatamente 44 anos, que Peter Gabriel lançou o single “Games Without Frontiers”, com uma das canções mais vibrantes e mobilizantes contra a guerra e a hipocrisia, num mundo de fronteiras muito fechadas. Viva a pop livre. Sem medo nem vergonha, viva!

PETER GABRIEL – Peter Gabriel 3 (Melt) – LP – PGLPR3 (1980)

Há discos que crescem com o passar dos anos. Este é um deles. O trabalho mais angustiante e sombrio de Peter Gabriel (na foto), que se tornou numa espécie de cura, através de uma dura introspecção sobre o seu estado de paranóia. Se a capa não conta metade, é porque se está distraído – mais uma obra-prima da Hipgnosis, um grupo de designers gráficos contando nas suas fileiras com Peter Christopherson, dos futuros Coil.

E se a faixa de abertura não conta a outra metade, é porque, novamente, se está distraído. “Intruder” tem um twist final absolutamente dramático e comovente – Gabriel é o próprio intruso (o seu corpo, a sua mente, os seus hábitos e gestos). Os ruídos aleatórios e assustadores do início avisam-nos que não estamos em presença de uma coisa leve. E quanto aos finais das canções, repare-se como estas aumentam de intensidade com o uso de sons, ruídos e crescendos ao contrário. É assim com “No Self-Control” e quase todas as canções.

É um disco de percussão. Não só audível no tribalismo de “Biko”, que mantém a sua dignidade e imponência de canção de protesto, mas por todos os cantos. Na enorme trupe que passou pelo estúdio, Gabriel convocou três bateristas, entre eles o ex-companheiro dos Genesis, Phil Collins, a quem pediu para retirar os pratos. Em todo o álbum se ouve a percussão grave dos tambores, acrescida do belo som das marimbas. O álbum, por vezes, parece convocar a guerra, mas para além de uma guerra interior que Gabriel vive, estávamos também em plena Guerra Fria e, como hoje, o mundo não era um sítio muito seguro para se viver. No entanto, Gabriel faz notar a sua raiva – a sua voz está a um passo do pânico (“Not One Of Us”) ou imediatamente sedada (no espantoso “Lead A Normal Life”).

E que dizer desse hino anti-guerra/anti-hipocrisia que é “Games Without Frontiers”, com os coros de uma jovem Kate Bush? Ouvido hoje, 44 anos depois, continua um soberbo exercício sonoro (aquela percussão!!!) em que a letra, de contorno aparentemente fácil, é uma elegante e curiosa nursery rhyme com uma dupla leitura (lúdico versus real). Para fechar o álbum, Gabriel mitificou a morte absurda e cobarde de Stephen Biko, que lutava pelos direitos de um povo subjugado e constantemente apartado da sua essência. Que arranjos! (Há quem diga que a versão ao vivo supera a do estúdio.)

Texto CC BY 4.0 Deed // António Jorge Quadros
Imagem CC BY-SA 4.0 Deed // Theo Blonk

Uma resposta a “Em audição: a voz da raiva e da liberdade em “Peter Gabriel 3””

  1. Maria Teresa Ramos Soares

    Sabe, ou poderia saber dado que essa informação faz parte da minha página, sabe que tenho 75 anos. Cresci a ler e a ouvir música. No entanto, julgo que o facto de só ouvir a musica que passava na rádio, fez de mim uma ouvinte de mediocridades. Este texto bastante bom e interessante que escreve sobre o Peter Gabriel é para mim uma descoberta e uma novidade. Conheço do Peter Gabriel o que a rádio passava e fico-me por aí. Dedico muito do meu tempo à internete na procura de noticias da realidade que o mundo está a viver e que Portugal ignora completamente. Isso ocupa a maior parte do meu tempo. No entanto vou, mal possa, ouvir com toda a atenção as musicas aqui referidas. Este seu apontamento é fantastico a todos os niveis e fico-lhe muito agradecida pois sei o tempo que gastamos na procura das melhores e verdadeiras informações. Muito obrigada e espero que continue com esta sua tarefa árdua de melhor nos informar sobre musica e os seus autores.
    Abraço
    Maria Teresa

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