Se falarmos da arte de domar o indomável, no campo da música, a história da Creative Sources Recordings, editora fundada pelo violinista e violetista José Ernesto Rodrigues, pode ser o melhor exemplo, se não mesmo o único, que temos em Portugal, em especial nos campos da improvisação, experimentação e da música eletroacústica.
O músico e editor Ernesto Rodrigues
Se falarmos da arte de domar o indomável, no campo da música, a história da Creative Sources Recordings pode ser o melhor exemplo, se não o único, que temos em Portugal. Editora discográfica fundada em 2001 pelo violinista José Ernesto Rodrigues, sob a sua alçada foram até hoje editados mais de sete centenas de discos dedicados à improvisação, à experimentação e à música eletroacústica, para resumir o mais possível. Mas com tantas edições e um número ainda mais impressionante de músicos que fariam parte de eventual ficha técnica exaustiva, há muita mais música — ou géneros musicais — para além desta redutora descrição.
Ernesto Rodrigues nasceu em Lisboa, a 29 de agosto de 1959. Orientado pelo oboísta, compositor e maestro Wenceslau Pinto, frequentou a Academia de Amadores de Música e, depois, o Conservatório Nacional, onde viria a estudar violino e composição. Estudou com Emmanuel Nunes, Paulo Brandão e Eurico Carrapatoso e integrou workshops e formações com Jorge Peixinho, Constança Capdeville e outros compositores. Como músico, Ernesto Rodrigues participou em discos de Fausto, Jorge Palma, Carlos Bechegas, Flak, Sitiados, Bernardo Devlin e Sei Miguel estreando-se em nome próprio, num duo com Jorge Valente, ex-Plexus, no CD “Self Eater And Drinker”, editado pela audEo, em 1999.
O principal interesse do violinista, como se percebia nesse disco, estava na música contemporânea, eletroacústica, e na ligação entre a obra composta e a improvisação livre. Nota-se que há na sua obra uma relação dinâmica entre a organização dos sons e a sua modulação mais, ou menos, espontânea. Alargando a sua dedicação a outro cordofone de arco, a viola, a sua criação musical seguiu cada vez mais um trajeto de distanciamento dos conceitos clássicos, preparando recorrentemente o violino ou a viola e intervindo ao nível da microtonalidade. Da sua criação sonora saem obras de música para dança, bandas sonoras, artes plásticas e intervenção poética. Colaborou com muitos nomes destacados no panorama nacional e internacional da música improvisada e fundou ou integrou os grupos Metropolis, Fromage Digital, Lautari Consort, IKB (da expressão International Klein Blue), String Theory, Iridium String Quartet, Suspensão, Lisbon String Trio, Diceros, L’Ensemble Instable, Octopus, Isotope Ensemble, Luso-Scandinavian Avant Music Orchestra, New Thing Unit, Free Music Septet e a Variable Geometry Orchestra. Aliás, o duo formado por Ernesto Rodrigues e Jorge Valente, a que acima aludimos, também já se chamou Orquestra Vermelha.
A exigente e difícil tarefa de domar o indomável
A Creative Sources (forma abreviada de nos referirmos à editora) estreia-se em 2001 com o CD “Multiples”, assinado em trio por Ernesto Rodrigues (violino, viola e também saxofone soprano), pelo seu filho Guilherme Rodrigues (violoncelo) e por José Oliveira (percussão e guitarra acústica). Nesse ano a editora lançaria mais quatro discos, depois outros quatro em 2003 e a partir daí regista-se uma intensa atividade editorial que, a três meses do final de 2021, conta já com mais de 700 referências lançadas. Registe-se também a realização do Creative Sources Festival, que tem lugar em Lisboa e apresenta ao vivo, ultimamente no espaço do O’culto da Ajuda, novos valores e nomes consagrados da música improvisada, experimental e eletroacústica, de Portugal e do resto do mundo. Acrescente-se ainda que a generalidade das edições discográficas e do material de comunicação da editora tem um traço gráfico comum e característico, uniformizador, assinado pelo músico e designer Carlos Santos.
Quase a terminar, sugere-se um detalhado olhar à extensa listagem (alfabética) dos músicos ou formações musicais editados pela Creative Sources Recordings e que se encontram à data disponíveis na apopshop: Abdul Moimême, Alexander Elgier, Alexander Frangenheim, Alfredo Costa Monteiro, António Chaparreiro, Axel Dörner, Birgit Ulher, Bleak House, Bobun, Børre Mølstad, Bruno Parrinha, Carlos Santos, Christoph Schiller, Cyril Bondi, D’incise, Dag-Filip Roaldsnes, Dave Tucker, Diatribes, Dietrich Petzold, Eduardo Chagas, Eivind Lønning, Elena Kakaliagou, Elisabeth Flunger, Emídio Buchinho, Erik Carlsson, Ernesto Rodrigues, Fabrice Favriou, Frantz Loriot, Fredrick Lonberg-Holm, Gerhard Uebele, Guilherme Rodrigues, Hannah Marshall, Heddy Boubaker, Henrik Munkebi Nørstebø, Hernâni Faustino, Hild Sofie Tafjord, Hugues Vincent, IKB, I Treni Inerti, Ian Smith, Ingrid Schmoliner, Jeffrey Morgan, João Pedro Viegas, Jon Rose, Jorge Valente, José Oliveira, Kevin Davis, Kim-Erik Pedersen, Klaus Ellerhusen Holm, Klaus Kürvers, Korhan Erel, Lea Danzeisen, Louis Lourain, Luís Lopes, Matt Davis, Matthias Bauer, Meinrad Kneer, Miguel Frasconi, Miguel Mira, Mike Goyvaerts, Monsieur Trinité, Naoki Kita, Neil Davidson, Nils Gerold, Nils Henrik Asheim, Nuno Morão, Nuno Rebelo, Nuno Torres, Olivier Dumont, Para, Pat Thomas, Paulo Chagas, Paulo Curado, Pedro Alçada, Pedro Sousa, Per Zanussi, Philipp Wachsman, Radu Malfatti, Ricardo Guerreiro, Richard Barrett, Richard Scott, Roberto Fega, Rodolphe Loubatiere, Rodrigo Pinheiro, Roger Turner, Rogério Silva, Ruth Barberán, S/S Motsol, Samuel Sahlieh, Ståle Liavik Solberg, Stephen Flinn, Steve Beresford, Stine Janvin Motland, Thomas Stempkowski, Tom Soloveitzik, Tomás Tello, Tore Sandbakken, Tristan Honsinger, Ulrich Mitzlaff, Ulrich Phillipp, Urs Leimgruber, Ute Wassermann, Victor Grinenko, Viv Corringham, WTTF, Watt, Willy van Buggenhout e Yoann Durant.
A Creative Sources Recordings tem vindo a fazer, de forma cada vez mais notável, essa tarefa exigente e difícil de domar o indomável. Ou seja, a de dar um espaço de vida à música livre, seja improvisada, experimental ou eletroacústica, apresentando-nos um imenso conjunto de pequenas memórias discográficas, como as pedrinhas que se amontoam na areia das praias que visitamos e perante as quais sentimos o natural desejo de criar ligações, de acolher memórias, de as explorar sensorialmente e de as manter connosco para a vida.
Texto CC BY 4.0 // Luís Freixo
Imagem © Creative Sources Recordings