“Pop experimental” foi um artigo escrito em 1996 por Jorge Lima Barreto para o folheto MINIMAL, onde ele nos apresentava uma lista de sugestões discográficas que tinham por pressuposto as linguagens do art rock. Mas hoje há ainda mais para ver, ler e também para conhecer.

Jorge Lima Barreto

John Cale, Lou Reed, Jimmy Hendrix, Hector Zazou, Bony Bikaye, Blaine L. Reininger, Peter Principle, Steven Brown, Tuxedomoon, Aksak Maboul, The Melody Four, Cassiber, The Homosexuals, Débile Menthol, Unknownmix, Orthotonics e Henry Cow

Uma homenagem a Andy Warhol de rara qualidade para a canção rock contemporânea é “Songs For Drella” (John Cale e Lou Reed), subtil incursão na vanguarda, tecida de partículas classicistas, solos deslumbrantes quanto discretos – uma obra-prima do lirismo e da melodia. Muitos músicos e bandas criam os seus ateliers experimentais, desde que, em 1967, Jimmy Hendrix abriu o estúdio Electric Ladyland. Hector Zazou e Bony Bikaye em “Guilty !” fazem uma síntese exótica da pop e da música africana. Blaine L. Reininger, Peter Principle (“Sendimental Journey”) e Steven Brown têm projectos pessoais ou interligações com músicos da estética afim aos Tuxedomoon, explorando texturas electrónicas.

Os Aksak Maboul (de Marc Hollander) em “Onze Danses Pour Combattre La Migraine” glosam a música de cinema de Nino Rota ou Ennio Morricone. The Melody Four, de Lol Coxhill, em “T.V. ? Mais Oui !”, interpretam melodias das mais conhecidas músicas e temas de série da TV. Cassiber, The Homosexuals, os suíços Débile Menthol e os Unknownmix, ou os Orthotonics, vêm na senda dos Henry Cow (com Tim Hodgkinson, Fred Frith, Lindsay Cooper, Chris Cutler, John Greaves et al.), talvez o grupo mais relevante do rock experimental, apostando numa aventura polinstrumental desde os anos 70 e gozando do culto mais esotérico e específico de todo o rock art.

Ronald Shannon Jackson, Sally Potter, Lindsay Cooper, Eugene Chadbourne, Minimal Man, The President, Carbon, Semantics, Telectu, Wire, This Heat, Coil, Faust, The Residents, Art Zoyd, Laurie Anderson e Talking Heads

Ronald Shannon Jackson alia ao rock a teoria harmolódica de Ornette Coleman. “Oh Moscow” é um projecto de ciclo de canções de Sally Potter para Lindsay Cooper. Eugene Chadbourne, vedeta da guitarra, organiza “Shockabilly”, uma proposta esquizoide, e os Minimal Man aceitam a estética dos Tuxedomoon. O super grupo The President (de Wayne Horvitz, mestre dos teclados) inclui músicos díspares como Doug Wieselman, Bill Frisell, Elliott Sharp, Bobby Previte e David Hofstra. Estes músicos fundavam grupos, não raro esporádicos, provenientes da ligação de músicos que trabalhavam em Nova Iorque (downtown), e a Knitting Factory é, depois de The Kitchen (anos 70), da Roullette (até 1985), o oráculo desta música, misto de rock art e nova música improvisada. Assim, os Carbon, os Semantics, ou “Island Of Sanity: New Music From New York City” são designações lideradas por Elliott Sharp (polinstrumentista com quem Telectu tocou em 1990 na Fundação Calouste Gulbenkian – incluindo “Evil Metal”).

A pós-modernidade investida na música dos Wire, dos This Heat (depois Camberwell Now), dos Coil ou dos Faust, mas sobretudo de The Residents ou dos Art Zoyd, seduzem um público cada vez maior de apreciadores da rock art e poli-saturado de música dos videoclipes que massificaram uma linguagem pop decepcionante e cujo sentido único é a venda de discos com temas de pequena duração, que significam um regresso às cronometrias dos 78 rotações e que se empilham no estereótipo. The Residents, Laurie Anderson, os Talking Heads, entre outros, procuram intervir de forma artística e criativa, não menos musical, confrontando diversos media: é o rock multimedia.

After Dinner, Aksak Maboul, David Bedford, Glenn Branca, John Giorno, Clearlight Symphony, Vini Reilly, Peter Frohmader, Peter Gordon, John Greaves, Peter Blegvad, Linda Hudes, Bill Laswell, The Ordinaires e Chris Cutler

O panorama do rock contemporâneo apresenta-se como um patchwork (manta de farrapos), um mosaico de tendências, técnicas e concepções estéticas, diversificado, múltiplo; por vezes cada obra é significativa de um novo enredo e as fronteiras entre o rock e Nova Música esbateram-se paralelamente a um recrudescimento comercial do rock FM, vizinho da música ligeira. Vejamos algumas obras: “Sepia-Ture” dos After Dinner, com influências de música indiana, “Scratch Holiday” dos Aksak Maboul, música rock para cinema. De David Bedford, meta-composição sobre o rock, destacamos “The Odissey” com o guitar solo de Mike Oldfield, e “Instructions For The Angels”, inspirado num poema visionário de Kenneth Patchen, usando uma gigantesca parafernália. A impulsiva batida metronómica do rock anima “Music For The Dance Bad Smells Choreographed By Twyla Tharp”, de Glenn Branca com John Giorno, em “Who You Staring At?”.

A Clearlight Symphony tem a presença de Steve Hillage. “The Return Of The Durutti Column” apresenta o estilo de Vini Reilly em jogos admiráveis de arpeggios de guitarra. O rock mais gótico está nos trabalhos de “Nekropolis” de Peter Frohmader. “Innocent” de Peter Gordon exprime as tendências eruditas do compositor (série dodecafónica em “The Announcement”). Ex-Henry Cow e ex-Art Bears encontram-se em “Kew. Rhone.”, no rock conceptual de John Greaves e Peter Blegvad. Muito interessante o piano de Linda Hudes em “Lasting Effect”. Bill Laswell trabalha com David Van Tieghem, Peter Gordon, “Blue” Gene Tyranny e outros para a antologia de new music “Antarctica”. The Ordinaires são um florilégio dadaísta de estilos do rock e outras músicas. Também aconselháveis são todos os discos/compilações da revista “Quarterly” dirigida por Chris Cutler e o seu compêndio multifacetado “File Under Popular”, na Recommended Records. O “Commercial Album” de The Residents inclui 40 deliciosas miniaturas, dirigidas à radiofonia.

O termo genérico pop experimental pode substituir o de art rock no sentido em que abrange da mesma forma criações e acções off, como opostos do rock FM ou do mainstream que recuperam o estereótipo e o in.

O nosso pósfácio

Este texto tem mais de um quarto de século desde que foi escrito e publicado no nº 12 do folheto MINIMAL, editado pela audEo em julho de 1996. No entanto, também aqui muito podemos ainda aprender com a preciosa ajuda de Jorge Lima Barreto (1949-2011), músico e musicólogo. No Dia Mundial da Música, a 1 de outubro, foi apresentado na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, o filme documental “Sonosfera Telectu”, que nos conta a história dos Telectu, o seu projeto pioneiro fundado com Vítor Rua, que nesse dia também lançou o novo livro “Eu só queria dizer o seguinte:”.

Hoje há mais ver, para ler e também para conhecer.

Texto original © // Jorge Lima Barreto
Imagem CC BY-SA 3.0 // Luís Lima Barreto

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