O duo formado por Ernesto Rodrigues e Jorge Valente já se chamou Orquestra Vermelha. As razões que os levaram a escolher esse nome – recorde-se que se designava assim a rede de espionagem implantada pelos serviços secretos soviéticos no III Reich – são compreensíveis, tanto quanto as que os levaram a mudar de ideias. Tem uma clara feição orquestral, a abordagem da electroacústica feita por estes dois improvisadores que prosseguem a tradição cageana, fiéis ao princípio de que todo e qualquer som é passível de aproveitamento na criação de música.
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Acontece, porém, que o violinista e o teclista não pensam a música em termos de produto acabado, composição ou obra. Para eles, o acto musical é mais importante do que aquilo que dele resulta. Mesclar os sons que cada um produz numa amálgama indiscernível que nela tem o seu fim, não lhes interessa. Mais cativante é buscar as suas respectivas individualidades e captar-lhes a voz interior, para a partir delas tentar uma mútua estimulação, um diálogo, ou melhor ainda, uma «dinâmica criativa dialéctica», para usar as suas palavras. É esta, aliás, a senda da improvisação, dada a forma como entende o «outro», seja o público ou o(s) músico(s) com quem se actua – afinal, antes de tocar o improvisador ouve. Mais: quando toca, fá-lo na prioritária expectativa de ser ouvido. Silêncios, desafios e reacções não necessariamente previsíveis (quanto menos, melhor!), contrastes e complementaridades, ostinatos, glissandos, estruturas em embrião, pedaços de frases que nunca chegam a formar-se, «self-intonations», catadupas de notas, «drones», ruídos só aparentemente a-musicais (Cage, sempre Cage), microtonalidades, paisagens áudio, falsos solos, inflexões de discurso, rupturas de linearidade assim que esta se torna uma ameaça, simples murmúrios ou convulsões, tudo isto se torna no material de trabalho de uma música a dois, livremente partilhada e dirigida para a «exploração sistemática do interesse», eregendo o tempo real como substrato e causa.
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Não estranha, de resto, que os percursos de Ernesto Rodrigues e Jorge Valente passem pela música popular, quando não mesmo tradicional. Ernesto Rodrigues acompanhou Fausto e integra a formação de Jorge Palma; Valente é um estudioso da música dos países africanos de expressão portuguesa, que chegou a produzir e a editar em disco. Não obstante abraçarem uma prática musical minoritária, interessam-se pelo património que nos é comum e admitem-no nas suas improvisações, mesmo que possam não o fazer em consciência. O estilo violinístico de Ernesto Rodrigues testemunha-o, com a sua dimensão «folk» e uma crueza que é distintiva do violino popular em qualquer parte do Mundo. Quanto a Jorge Valente… Não será verdade que, hoje, o computador é o instrumento popular por excelência?
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